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Terça-feira,
31/3/2015
Sociedade Educadora
Luís Fernando Amâncio
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Por Luís Fernando Amâncio
Se eu sentar ao seu lado no ônibus e você estiver lendo um livro, fique tranquilo (a): não sou desses que puxa conversa gratuitamente. Sequer tenho interesse. Certamente também abrirei um livro e seremos duas pessoas felizes no universo da leitura.
Contraditoriamente, porém, confesso: eu gosto de ouvir trechos de conversas alheias. Não sou bisbilhoteiro, é importante frisar. Mas curto pescar frases soltas, ouvir pequenos diálogos. Eles podem servir de gancho para uma nova reflexão, já que nossa cabeça, sozinha, costuma ser pouco hábil em "gerar pautas".
No último sábado, num ponto de ônibus, vi uma mulher e um homem, talvez o pai dela, com trajes de caminhada e ritmo de quem não se importa com o sol das 11 horas. Invejei o ânimo dos dois. E pensei que poderia ser um bom tema para crônica, os exercícios físicos e a dificuldade de se ter ânimo para iniciá-los, ou algo assim. Mas não. Passando por mim, a mulher disse ao seu interlocutor: "tem que ter professores bravos, rígidos, como antigamente, sabe. Aí as coisas serão melhores". A dupla seguiu seu caminho, em direção à queima de preciosas calorias.
E zás, achei minha pauta. A educação. Sabendo que a opinião daquela mulher é bastante comum, pensei no quão injusto é dar tamanha responsabilidade aos professores. Além de dominar o conteúdo que lecionam, de ter boas técnicas de ensino, os mestres precisam disciplinar. Ou seja, os pais que não dão limites aos filhos em casa, esperam que o professor o faça em sala de aula, onde o "inimigo" está num grupo de pelo menos 30. Tarefa ingrata.
A escola é o local onde quem está fora quer ver o milagre acontecer. Ali, crianças e adolescentes serão pacificados, instruídos e trazidos da barbárie à civilização. Como é irresistível atrelar a solução de nossas mazelas políticas a um sistema educacional de qualidade! Aluno bem instruído será um cidadão que votará com consciência e as "coisas serão melhores". Matemática simples para o mundo virar um lugar bonito e pacífico como a terra dos Teletubbies.
Talvez seja um pouco mais complexo.
Naquele mesmo sábado, passei por um Shopping, na zona sul de Belo Horizonte. Venho de uma cidade sem esse tipo de estabelecimento e, na minha infância, McLanche Feliz era um sonho de consumo. Nunca me senti totalmente à vontade em shoppings. Nesse sábado, porém, eu me solidarizei com os professores quando fui em um. Por que a sociedade dá a eles tamanha responsabilidade e não percebe quão "educador" é um Shopping Center?
Educador?
Sim. Educa nossos prazeres, direcionando-os para o consumo de determinadas marcas, dos alimentos (e grifes) da Praça de Alimentação. Educa nosso estilo de vestir ao ditado pela moda da estação. Educa nosso entendimento de cinema aos filmes que estão em cartaz. São exemplos. Sem falar na composição humana (maioria de consumidores brancos e predominância enorme de negros e pardos nos serviços de limpeza) que acaba sendo naturalizada como organização social.
Enfim, o que eu quero dizer é que a educação é bem mais do que tarefa da escola. Somos educados em todos os lugares: igreja, trabalho, mídias, bancos, na pracinha do bairro. E até na escola. E também atuamos como seres educadores. Porque educação é troca: de experiências, de pontos de vista e de saberes.
Não dá para colocar toda a responsabilidade de educar na conta da escola - menos ainda na dos professores. Destes últimos, o que deveria ser colocado na conta é mais dinheiro, convenhamos.
Postado por Luís Fernando Amâncio
Em
31/3/2015 às 23h53
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